domingo, 24 de fevereiro de 2013

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VERBETE - SAL/TEMPEROS.
Depois da fase mecanicista, voltada para otimizar e simplificar métodos de cozinhar,a culinária ficou livre para ser não apenas sensual, mas tambem profana, com o objetivo primário de estimular o desejo.
No novo esquema o sal teve grande proeminência. Ao mesmo tempo o sabor adocicado que era antes uma característica de quase todas as sequências de pretos numa refeição, perdeu seu protagonismo e em 1700 limitou-se, na França à sequência da sobremesa.
Na Inglaterra (predileção pelo açucar) o sistema predominou por mais tempo.
Essa dicotomia sal/açucar obrigou os departamentos da casa a se dividirem entre "cuisine" que preparava os principais pretos da refeição (com sal) e "office" (sobremesa).
A culinária modificou-se - deixou de agradar os olhos e passou a satisfazer o paladar.
Apareceram temperos - alhos, cebolas, salsa, hortelã, alecrim, encorajando a criatividade e a extravagância no preparo da comida.




VERBETE - O APARELHO DE JANTAR.
Junto com o service a la française veio o aparelho de jantar - o conjunto de vasilhas criadas para levar a comida à mesa. Houve uma ênfase cada vez maior no efeito visual por meio do uso de recepientes harmônicos para os vários tipos de alimentos.
A chegada do aparelho de jantar de prata marcou uma mudança fundamental na mesa de jantar.
Até então o "aparador"em prateleiras era o lugar de exposição ostentatória dos pratos. Agora a exibição migrava para a mesa. Aí nota-se novamente a importância do conceito do "souper intimé", com a novidade da mesa redonda -  poucos convidados.
As classes emergentes seguiam as tendências, montando seus serviços de mesa, peça por peça.
Prata para os ricos, para o resto havia estanho ou ceramica na forma de louça esmaltada, faiança e mais tarde porcelana.
Surgiu finalmente a porcelana européia, dominando a técnica originalmente exclusividade dos chineses.
Meissen (1710) - Sévres (1756).
No entanto, quando chegou a hora do aparelho de jantar de cerâmica, foi a Alemanha a precursora.
Daí tambem apareceu a "salle de manger" (sala de jantar) mais íntima e apropriada para comer e conversar.




VERBETE - A ANFITRIÃ.
A sala de jantar era uma nova sensibilidade social em que a conversa culta misturava-se a galanteria e ao amor platônico. Os convidados eram comandados por um fenômeno novo - a Anfitriã.
Era a responsável pela seleção dos convidados e escolha de seus respectivos lugares à mesa.




VERBETE - COUVERT.
Couvert significava que os pratos eram cobertos, numa tentativa de mante-los quentes.
O termo sobrevive até hoje designando, as vezes, erradamente a entrada ou pratos frios, especialidades frugais, geralmente acompanhada de bebida a espera do prato principal.




VEERBETE - O GUARDANAPO.
Extremamente importante, ritualístico e com figuração de protagonista, quando se analisa as convenções da antiguidade - peça fundamental.
Para ilustrar essa afirmação relato fatos reais e experiências de vida.
Em visita a Edinburgo (Escócia), eu minha mulher e minha filha, reservamos lugar em um restaurante muito elogiado. Era peculiar e bastante estranho, mas muito solene e sofisticado.
Iluminado só por candelabros de velas, com cortinado pesado e quadros renascentistas e oferecendo serviço de luxo.
Brincando, logo o identificamos como o "restaurante das bruxas".
Daí o fato inusitado: na mesa estavam colocados guardanapos enormes, rigorosamente dobrados.
Assim que nos acomodamos, apareceu o maitre, ou o proprietário e com pompa e muito respeito, começou o que depois identificaríamos como o ritual do guardanapo.
Primeiro abriu e praticamente desfraldou o pano no ar. Depois dobrou-o com cuidado e em seguida colocou referencialmente no colo de cada um de nós.
Em seguida, como se houvesse um sinal já convencionado, começou o serviço.
Isto tudo tem um porque!!!
Foi quando em 1548 Carlos V (imperador) introduziu a etiqueta borgonhesa na casa do filho, o futuro Felipe II. Essa introdução acarretou o aumento de serviçais (o dobro) e depois de semanas de ensaios com toda a corte borgonhesa, Felipe jantou em público no estilo que seria mantido até o final do domínio Habsburgo.
Começava com a mesa sob o pálio sendo posta pelo"ligier de sala", na antecãmera da sala do trono.
Um mordomo (um grande aristocrata) dirigia os trabalhos. Seu grande privilégio, mais zelosamente guardado, era apresentar o guardanapo ao rei e depois coloca-lo em seu colo.
O principal mordomo de Felipe era um grande soldado, o duque de Elba.
Esse era um ritual próprio da realeza e com um significado profundo de respeito e de lealdade.
Somente o principal dignatário da corte tinha a honra de apresentar o guardanapo ao Rei.




VERBETE - SIMPÒSIO.
Hoje simpósio é conhecido como o encontro de pessoas - intelectuais, empresários, religiosos, políticos, médicos,e outros, para discutir e supostamente aclarar assuntos da atualidade.
A origem vem do nome Synposion designando, na Grécia, todos os banquetes cívicos.
Esses banquetes começavam por um sacrifício de sangue, seguido de comida e finalmente bebida.
Os gregos observavam o ritual do pós-refeição identificando-o com o nome Synposion, onde só se consumia bebida.
Após a refeição normal, retirava-se as mulheres e as crianças e de maneira formal se organizava o início do ritual da bebida, só com a participação dos homens - o synposion.
O organizador ou o anfitrião escolhia um tema e todos dele participavam com suas ideias e comentários.
Até pouco tempo essa configuração persistia em alguns países da Europa, onde em algumas casas as mulheres deixavam a sala de jantar enquanto os homens lá ficavam entregando-se a muita bebida, charutos e muita conversa.
O Synposion portanto era um cerimonial regado a vinho, onde se discutia temas da atualidade, bem como se debatia temas eruditos.




VERBETE - O ACASO.
O acaso, o aleatório, o inesperado.
Surpreendente manifestação de esclarecimento em meio a turbulência, à aflição.
Insight poderoso e esclarecedor.
Quase sempre está presente na cozinha, quando ao preparar uma refeição, troca-se ingredientes, inverte-se procedimentos, incluem-se temperos obedecendo intuição repentina.
Onde profissionais "alertas" captam situações inusitadas, ocasionais e transformam receitas medíocres em pratos referenciais.
Humildade para perceber estes momentos no nosso cotidiano e multiplica-los utilizando a fragmentação de ideias e fazendo associações.
Otimizar o uso da nossa consciência, diminuindo e relativizando a crença tirânica na lógica pura.
Como disse Jung, dar valor ás "coincidências significativas".
Nesse contexto é necessário aí se incluir o "desastrado" - em sua habilidade involuntária.
Por meio de uma ação descontrolada, basta a sua presença para que, sem razão e a despeito da sua vontade, o mundo fique de pernas para o ar.
Ele está implicado na invenção do que não existe, do que é inimaginável.
A realidade tambem será reinventada. O desastrado sai para registrar tudo o que vê e acaba encenando, a despeito da sua vontade, os fatos que não existiriam sem a sua presença e que ele espantosamente não percebe.
O melhor seria seguir o Eclisiastes:
"Eu vi ainda debaixo do sol, que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso".




VERBETE - ESTATÍSTICA.
A culinária não existiria sem os utencílios domésticos, sempre à mão, colaborando no encaminhamento de receitas mais elaboradas.
Duas estrelas da cozinha são, de fato, o forno e o freezer.
Acreditem mas eles tambem foram utilizados como parâmetros, quando o homem sensível (talvez um cozinheiro), despido da arrogância de raciocinar matematicamente, ou dando importância relativa à ortodoxia econométrica, ousou pensar:
"Alguns dados tem o mesmo valor estatístico da temperatura média de um corpo, cuja cabeça está no forno e as nádegas no forno".
Esquecer um pouco a verdadeira tirania dos economistas que hoje opinam sobre tudo, desde lingerie, até a influência do mamão na vida conjugal.
Quem sabe não seria mais conveniente raciocinar um pouco mais com a emoção e com a intuição.
Uma das várias versões sobre o surgimento da Estatística como ciência ocorreu em uma tarde de verão em Cambridge, Inglaterra, no final de 1920. Professores universitários, mais esposas e alguns convidados tomavam o chá da tarde.
Aqui a Gastronomia travestida de convívio social, tão a gosto dos britânicos - o ritual do chá da tarde.
E foi nesse encontro cordial que inesperadamente surgiu um impasse fortuito que embora fútil, na sua aparência, resultou em elucubrações acadêmicas que originaram os primeiros estudos relacionados com as probabilidades estatísticas.
Nesse chá uma senhora insistia em afirmar que o chá servido sobre o leite parecia ficar com gosto diferente do que apresentava ao receber o leite sobre ele. As cabeças científicas dos homens zombaram do disparate. Qual seria a diferença? Não podiam conceber diferença alguma na química da mistura. Um dos intelectuais interessou-se pelo problema.
"Vamos testar a proporção". Começou a esboçar um experimento no qual a senhora que insistia haver diferença, seria servida com uma sequência de xícaras, algumas com leite servido sobre o chá e outras com o chá servido sobre o leite.
O homem que começou este experimento chamava-se Ronald Fischer e foi o autor do livro sobre Desenho Experimental e que revolucionou a ciência na primeira metade do século XX.
O pensamento humano é revolucionário e portanto torna-se difícil definir o momento exato em que a estatística tornou-se parte da ciência.
Mas não seria uma heresia se pensar, sim, que foi depois daquela agradável tarde de verão que a dúvida daquela senhora tomando chá fosse a motivação, o embrião, para que alguem curioso e meticuloso em seu saber iniciasse o estudo da estatística.
Sobre estatística:
"O que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial".
"Deveríamos encarar a estatística como o bêbado encara o poste - como apoio, não como luz".
A soma de dois bêbados não dá um homem sóbrio".



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